The New York Times
Jovens chefs deixam de lado a clássica comida germânica e surpreendem com pratos modernos e cheios de saborQuando jovens apaixonados sonham com um jantar romântico em uma vielinha discreta na Europa, geralmente têm em mente Paris ou Florença, nunca Düsseldorf ou Nuremberg; quando gourmets se aventuram em terras estrangeiras para provar as novas invenções de um chef revolucionário, o avião os leva a lugares como Barcelona ou Copenhague, e não Leipzig ou Dresden.
Embora o Guia Michelin 2013 tenha dedicado atenção especial à Alemanha, concedendo três estrelas a dez restaurantes, nem as casas nem seus chefs são conhecidos em nenhum outro lugar a não ser no próprio país ‒ que, aliás, quando exerce seu poder econômico, faz outras nações pularem; quando exibem seu poderio gastronômico, elas até se encolhem.
Toda vez que o mundo faz um pacto secreto para ignorar um assunto, quem é xereta fica mais curioso. Por isso, decidi fazer uma turnê gastronômica breve, mas proveitosa pela Alemanha em setembro. Estive em três das cidades mais conhecidas ‒ Munique, Frankfurt e Berlim, e fiz reserva em restaurantes relativamente novos.
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EM FRANKFURT
A ação está toda no prato
André Rickert, o chef do Weinsinn, em Frankfurt, tem um talento modernista para combinar o sério com o divertido. Veja, por exemplo, o que ele faz com o ratatouille: até os fãs do prato admitem que um monte de legumes cozidos nadando em uma poça de azeite não é nada apetitoso nem bonito. Já a versão de Rickert é colorida, vibrante e parece mais um jardim comestível, um campo de cuscuz sobre o qual planta azeitonas pretas, pedaços de queijo feta, um montinho de sorvete de manjericão e tomate cereja aquecido que derretem na boca como groselhas maduras em uma torta.
Os ingredientes estavam dispostos ao redor do prato, mas os sabores estavam muitíssimo bem amarrados. Foi o caso da ameixa, que apareceu sob diferentes formas e rendeu três sobremesas: recheando um dumpling macio, congelada em um sorbet e cozida com xarope de canela.
O Weinsinn é compacto: são só 35 lugares divididos em dois salões pequenos ‒ como também é o cardápio de Rickert, com três entradas, três pratos principais e três sobremesas. A carta de vinhos, por outro lado, tem várias páginas.
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O melhor de um império antigo
Do outro lado da cidade fica o atual quartel-general de Mario Lohninger, chef que já trabalhou em casas formais e outras nem tanto. Três anos atrás ele inaugurou o Lohninger, uma casa com salão em formato de L e paredes salmão às margens do rio Main. E o nome não é egocentrismo não; a casa é um projeto da família inteira, com seu pai trabalhando ao seu lado no fogão e a mãe no salão, vigiando tudo com olhos de águia.
Lohninger tem instinto para saber qual é o componente mais prazeroso de um prato e intensificá-lo. Schmaltz sobre pão integral é sempre bom, mas o dele, com purê de abóbora e crocante com floquinhos de pele de frango frita, é perfeito. E chega sem demora.
O cardápio, como a vida do chef, é dividido em duas partes: de um lado, chama-se O Mundo. Nele, ingredientes vindos de longe aparecem como lembranças de seu tempo no exterior. Do outro, leva o nome de Infância. São pratos de sua terra natal, a Áustria, como o ravióli molinho recheado com queijo derretido e o goulash, um refogado cheiroso preparado com a páprica doce e a apimentada. O Império Austro-Húngaro caiu cerca de 55 anos antes de Lohninger nascer, mas sua versão para o prato clássico resume um pouco sua antiga glória.
EM MUNIQUE
Uma aposta segura para o apostador inveterado
Em Munique, me deparei com outro cardápio de personalidade dupla em um restaurante chamado Geisels Werneckhof. Nesse caso, a divisão resulta da abordagem cautelosa às mudanças da própria casa, quiçá também da cidade. Durante anos o estabelecimento serviu comida tradicional para os moradores do bairro, perto do English Garden. Em 2011, porém, foi assumido pela família Geisel, mesmo com a exigência da proprietária de não mexerem nos janelões, nos candelabros a velas e outros detalhes clássicos alemães no salão. Ela, no entanto, lhes deu carta branca na cozinha.
Tohru Nakamura levou a promessa a sério. Chef desde abril, ele nasceu em Munique e aprendeu a cozinhar antes de sair para aprender novas técnicas em restaurantes do Japão e Holanda ‒ e para obter os mesmo efeitos que tinha aprendido fora do país, equipou a cozinha com fogões de indução, uma chapa para teppanyaki, tanques de nitrogênio líquido e uma churrasqueira Big Green Egg.
Para os clientes do Werneckhof, Nakamura dedica metade do seu cardápio a pratos relativamente simples, se não refinados, com um único ingrediente como destaque ‒ como seu barigoule de alcachofra, enxuto e preciso, finalizado com um molho velouté e uma ostra gorducha pochê, que não assusta ninguém.
Já a outra metade é, no mínimo, inovadora, pelo menos para os padrões da cidade. Fiquei profundamente impressionado com uma composição elaborada de polvo macio, lula marinada no gengibre, batata cozida com cebola e bacon e tiras de nabo defumadas na Big Green Egg.
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EM BERLIM
Mantendo a alegria do cardápio
O cardápio metade velho/metade novo do Geisels Werneckhof me lembrou de algo que Justin Leone, um sommelier norte-americano que trabalha em um excelente restaurante em Munique, o Tantris, uma vez escreveu em um e-mail. Segundo ele, comparados com os seus conterrâneos, que vivem à caça de modas, o povo da Baviera "aprecia muito a longevidade e a regularidade" ‒ e para conferir uma cidade que gosta de novidades, eu deveria ir a Berlim.
Talvez o chef mais dinâmico da capital seja Tim Raue, que quando era adolescente andava com uma gangue de rua no bairro de Kreuzberg, mas descobriu seu talento na cozinha. Em 2010 ele já tinha aberto um lugar seu pertinho do Checkpoint Charlie, o Tim Raue, mas queria ser diferente dos salões formais clássicos, de influência francesa que, a seu ver, estavam matando a vivacidade da alta gastronomia alemã. "Eu queria ter uma casa na Alemanha onde as pessoas pudessem ter prazer", resume ele.
Seu cardápio foi montado sobre os sabores marcantes da China, Vietnã e Tailândia. Para deixar bem claro que a alegria faz parte do pacote, fez todos os garçons usarem o inconfundível All-Star preto de cano alto, que agiliza o passo ‒ se bem que quando vi o rapaz que me servia tirar uma única luva branca para dispor os talheres de prata, não me segurei e comecei a cantarolar "Thriller".
O que não se faz por um bom pastrami
Berlim agora está cheia de cozinheiros tentando ganhar a vida com churrasco e outras opções populares. Por pura determinação e teimosia, duvido que muitos se igualem a Paul Mogg e Oskar Melzer, que inauguraram uma delicatessen no melhor estilo de Nova York porque não acharam jeito menos complicado de degustar um bom sanduíche de pastrami.
Eles até experimentaram importar a carne, esperando uma qualidade incontestável. "Veio um, com a Estátua da Liberdade na embalagem, que era tão seco e tão doce que parecia mais pirulito", conta Joey Passarella, chef do Mogg & Melzer.
Seu pastrami é discretamente defumado, bem apimentado, não muito salgado e bem rosado. Fatiado e empilhado em um pão de centeio fresco e nada esponjoso nos moldes daquele que é servido na Schwartz's, de Montreal, com um toquinho de mostarda escura de Düsseldorf, resultando em uma gostosura que pouquíssimas casas em Nova York podem oferecer.
O Mogg & Melzer não se arrisca muito além dos pratos rápidos. Tem um mousse de fígado de galinha, por exemplo, e uma carta de vinhos compacta, mas bem escolhida. De manhã você pode pedir salmão polvilhado com raiz forte e cebolinha em um bagel caseiro e esperar olhando o pessoal da cozinha se divertir cantando rap enquanto trabalha.
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