The New York Times
Com a indústria do turismo florescendo, Albânia, Kosovo e Montenegro se tornam excelentes opções para praticar canoagem, escalada e esquiAs estações mudavam rapidamente e o calor que eu sentia desaparecia à medida que a noite caía nos vales. Enrolei o cobertor em volta do pescoço e ouvi um cachorro latindo no andar de baixo. Já passava da meia-noite e faltavam poucas horas para o chamado para as orações da manhã. Peter Grubb, dono da empresa de turismo ROW Adventurers, com sede em Idaho, estava na esquina observando o mapa sob a única luz que funcionava na rua. Estávamos no quarto 305 do Hotel Rosi, um prédio amarelo em Gusinje, comunidade predominantemente muçulmana na república de Montenegro, na antiga Iugoslávia. Mais ao sul, uma trilha de pedra nos levaria a um desfiladeiro com picos de rocha calcária. No dia seguinte, seguiríamos essa trilha e entraríamos sem ser percebidos na Albânia.
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Hotéis dão vida nova a velhos destinos comunistas, mesmo que a água nem sempre esteja quente
Foto: Chad Case/The New York Times
Nas trilhas dos Bálcãs entra-se em uma parte rara da Europa, onde a ideia de caminhar livremente entre mundos ainda é um presente doce
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O grupo posa em frente ao Pinzgauer, um veículo militar muito utilizado na região
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Os viajantes caminham de Theth à vila de Valbona, na Albânia. A natureza ainda intocada é o maior atrativo
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Até mesmo caminhar por fronteiras remotas e inabitadas dos Bálcãs se tornou legal, graças a um novo sistema de vistos introduzido no verão do ano passado
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É encantador ver que, num lugar que já passou por tantas dificuldades, os habitantes ainda são calorosos
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A hospedaria Pavlin Polia, em Theth, na Albânia, é retrato da nova Europa, selvagem e graciosa que despontou ao turismo
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Turistas descem de Gusinje, em Montenegro, para Theth,na Albânia: o caminho de pedras calcárias levam a uma floresta de faias
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'O perigo é que o turismo cresça antes de sabermos lidar com ele'
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Essa teria sido uma das coisas mais estúpidas a se fazer se estivéssemos nos anos 1980, quando a Albânia era a Coreia do Norte da Europa. Da Segunda Guerra Mundial até sua morte em 1985, o líder comunista Enver Hoxha transformou o país em um Estado opressivo e isolado. O ataque cardíaco de Hoxha e o colapso do comunismo foram o início do fim do isolamento da Albânia e, nos últimos anos, as tensas divisas que separam Albânia, Montenegro e Kosovo passaram a ser o tipo de lugar que queremos visitar. Pacotes de ajuda internacional, remessas de dinheiro e uma relativa estabilidade ajudaram a criar uma nova classe média e o turismo na região começou a crescer. Guias levam grupos para praticar canoagem sob pontes de pedra em Montenegro, para escalar sítios arqueológicos na Albânia e até mesmo para esquiar em Kosovo. Hotéis dão vida nova a velhos destinos comunistas, mesmo que a água nem sempre esteja quente.
"Se está em busca do luxo tradicional, sinto muito – vá a Paris ou Nova York", afirmou Kela Qendro, uma albanesa de 33 anos que trabalha em uma pequena agência de turismo. "Aqui você vem para ver a vida como ela é: os pastores, as velhinhas colhendo romãs. Quando você conhece os aldeões da Albânia, eles o convidam para conhecer suas casas pelo simples prazer de encontrá-lo." Grubb, que já fez sete viagens para a Croácia, é fascinado por essa região menos desenvolvida dos Bálcãs. Há cerca de um ano, ele descobriu uma forma intrigante de explorar a região: a pé.
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O projeto "Trilha dos Picos dos Bálcãs", coordenado pela Agência Alemã de Cooperação Internacional em parceria com dezenas de outros grupos (incluindo associações femininas, escritórios de turismo e ONGs ambientais), estreou formalmente no ano passado e conta com uma trilha de 192 quilômetros, traçada para fomentar o turismo e o trabalho em equipe entre vizinhos historicamente problemáticos. O caminho literalmente liga bolsões muçulmanos, católicos e ortodoxos, bem como eslavos e numerosas tribos albanesas em três parques nacionais interligados, cada um dos quais mostrando regiões fronteiriças de inestimável beleza.
E ninguém precisa passar aperto, já que os habitantes da região transformaram suas casas em hotéis rústicos, oferecendo camas, queijos caseiros, carne e aguardente. Até mesmo caminhar por fronteiras remotas e inabitadas se tornou legal, graças a um novo sistema de vistos introduzido no verão do ano passado. Grubb só precisava de alguns viajantes dispostos antes de oferecer esse pacote. Sete texanos e eu nos candidatamos a participar da viagem inaugural. Estávamos prestes a caminhar em direção aos Alpes Albaneses, mais conhecidos como montanhas amaldiçoadas, alguns dos picos mais nevados da Europa, atrás apenas dos Alpes Suíços e dos Alpes Dinamarqueses. Toda a trilha poderia ser feita em 10 dias, mas nós dispúnhamos de apenas cinco dias para fazer parte dela. Ainda assim, tínhamos dias longos de escalada pela frente. Seríamos um dos primeiros grupos formados nos Estados Unidos a entrar na região, onde as histórias são mais míticas que verdadeiras.
No começo do dia eu havia encontrado os texanos no aeroporto de Podgorica, a pequena capital de Montenegro. Ainda estava escuro quando chegamos a Gusinje, mas o dia nasceu quente e iluminado. O Monte Rosi, que dá nome ao hotel onde nos hospedamos, se eleva a 2.522 metros de altitude a sudoeste, ao passo que o Monte Jezerca é uma pirâmide de 2.694 metros de altitude ao sul. Por volta das nove horas, Enes Dreskovic, a nova diretora do Parque Nacional de Prokletije, um dos três parques nacionais fronteiriços, chegou em um veículo de transporte militar cor de laranja da marca Pinzgauer e nos levou até o início da trilha. Montamos acampamento no Vale de Ropojana, um recôncavo com grandes pinheiros e encostas escarpadas, onde nem mesmo o Pinzgauer poderia penetrar. Era ali que a trilha realmente começava. Um albanês de Theth, nosso destino a 19 quilômetros dali, teria supostamente deixado o vilarejo às três da manhã com cavalos para carregar nossa bagagem, mas não havia sinal dele.
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"Sejam bem vindos ao 'A', de viagem de aventura", afirmou Grubb. Pedras brancas como mármore chiavam sob nossas botas enquanto marchávamos em direção a um prado em meio a uma floresta de faias. Vagarosamente, um urubu desenhava oitos no céu sobre nossas cabeças e cacos de pedra calcária caíam do alto como mísseis. De todas as imagens que guardei da região, nenhuma é tão bela quanto essa.
No começo da tarde, já havíamos ultrapassado a Passagem de Peja, uma área com muitas pedras, vento e nenhuma árvore, a uma altura de cerca de 1.525 metros, onde bunkers em forma de domo com vãos para metralhadoras enfeitam os pontos mais altos. Temendo uma invasão por todas as direções, Hoxha construiu cerca de 700.000 bunkers assassinos em um país com menos de 29.000 quilômetros quadrados. "Seja bem vindo à Albânia", afirmou nosso guia montenegrino de 28 anos, Semir Kardovic, imitando o som de tiros.
A escalada vertical de 28 metros até a passagem foi difícil, mas a descida vertical de 1.200 metros até Theth foi brutal. Descemos lentamente por um ziguezague de quebrar os joelhos, até chegarmos a um enorme vale glacial. Ao entardecer, casas pontiagudas com uma luz laranja que escorria das portas começavam a aparecer em meio à floresta. Caminhamos em direção a uma delas: uma pousada de aspecto medieval, com paredes de pedra. Depois de comermos ovos, coalhada e geleia no café da manhã, colocamos nossas mochilas nas costas e caminhamos em direção ao vilarejo de Valbona, a 14 quilômetros a leste. A área é tão escarpada que os turcos otomanos, que eram muçulmanos, foram incapazes de controlar a região, conforme fizeram na maior parte dos Bálcãs durante 500 anos. Como resultado, tanto Theth quanto Valbona continuam a ser católicas.
O Monte Arapit, um pico de 2.217 metros de altitude, parecia me observar enquanto eu atravessava uma ponte de madeira e começava a escalar através de bordos, cinzas e carpinos. Ainda não eram 10 da manhã, mas o tempo estava quente e úmido. Três quilômetros depois, eu desabei. Já havíamos atravessado 240 metros verticais. Faltavam apenas mais 915. Logo haviam se passado mais 760 metros e estávamos em uma larga bacia aluvial. Uma van nos esperava no início de uma via rochosa que dava em uma rua que havia sido asfaltada poucas semanas antes. Novos chalés podiam ser vistos por toda a parte. "Muitas pessoas estão voltando a viver na região e isso é muito encorajador", afirmou Antonia Young, pesquisadora britânica que trabalha há mais de uma década para criar um parque da paz na região. "O perigo é que o turismo cresça antes de sabermos lidar com ele."
Na verdade, a Albânia nem sempre se equilibrou com facilidade sobre suas novas pernas capitalistas. Em 1997 os albaneses perderam US$ 1,2 bilhão em esquemas de pirâmide que geraram rebeliões contra o governo e resultaram em 2.000 mortes. Nem mesmo o turismo escapa de certos preconceitos, embora tenha quase triplicado em seis anos, passando de um milhão, para 2,7 milhões de pessoas em 2012, de acordo com dados do governo. "A Albânia é um ótimo lugar pra conseguir narcóticos ilegais – é o 'básico' para curtir qualquer feriado na Albânia!", comentou um leitor anônimo em um artigo sobre o crescimento do turismo no país, publicado em 11 de junho de 2012 no Southeast European Times.
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"Não podemos ter um problema de imagem se esse problema for real", afirmou Ilir Mati, que vendeu o carro em 1992 para abrir uma agência de turismo de aventura chamada Outdoor Albania. Mati estava na pousada com clientes e eu conversei com ele em francês. "Meus amigos achavam que eu estava louco em deixar a carreira militar para me dedicar ao turismo", afirmou. "Mas eu tinha o sonho de um dia estar em uma mesa como esta, falando com pessoas como você."
A conversa continuou na manhã seguinte, quando mudamos o plano de caminhar de volta a Valbona e retornar a Montenegro. Depois de dois dias, o trajeto era demais para o grupo – 16 horas no mínimo – e ainda havia chovido na trilha. Então, preferimos ir de carro a um ponto logo acima do vilarejo de Cerem, onde fizemos uma caminhada fácil de volta a Montenegro. Em seguida, aceitamos uma carona até a cidade de Plav, a maior de um distrito onde vivem 13.100 pessoas, uma espécie de metrópole agitada para os padrões da Albânia.
Ainda tínhamos dois dias de trilha, que passaram como um raio. No quarto dia, caminhamos 10 quilômetros das cabanas de Plav até uma estrada que levava a uma área de esqui com teleférico, chamada Boga, área albanesa no Kosovo que havia sido terraplenada na guerra de 1999 contra a Sérvia, mas que foi rapidamente reconstruída. Passamos a noite em chalés recém-construídos e descobri que no inverno custa só um euro para subir pelo teleférico. No último dia escalamos o pico Hajla, de 2.402 metros, e caminhamos ao longo de seu cume estreito, onde pude colocar um pé em Kosovo e o outro em Montenegro. De lá era possível ver as planícies da Sérvia a oeste e as Montanhas Sharr, em torno da Macedônia ao sul. O grupo passou a última noite junto em Dubrovnik, na Croácia, depois de uma longa viagem de ônibus saindo de Rozaje, em Montenegro. A velha cidade é maravilhosa – muralhas brilhantes contra um mar cintilante.
Ao todo, não caminhamos mais de 56 quilômetros. Porém, não é a distância que importa na Trilha dos Picos dos Bálcãs, mas a interação, e com essa viagem de ônibus cruzei a fronteira mais óbvia da viagem, a fronteira entre o explorador e o turista. Apesar de atravessar um lugar que já passou por tantas dificuldades, a trilha me introduziu a uma parte rara da Europa, onde a ideia de caminhar livremente entre mundos ainda é um presente tão doce e especial quanto o primeiro refrigerante. Selvagem e graciosa, uma nova Europa despontou.
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