Juliana Bianchi
Prestes a projetar um museu do vinho em Bento Gonçalves, o premiado Jesús Marino Pascual fala da importância do turismo para o negócio do vinhoEsqueça a imagem da vinícola poeirenta, escura e com ares de filme de terror entre tonéis de carvalho. Transformadas em local de peregrinação pelos amantes de vinho, elas ganharam imponência e design dignos de templos modernos. Tudo para agradar, envolver e atraia ainda mais turistas. “No mundo todo, há uma grande cultura criada em torno do vinho, que atrai milhares de turistas. E as vinícolas não podem abrir mão disso”, afirma o arquiteto espanhol Jesús Marino Pascual, responsável pelos projetos do Museu da Cultura do Vinho Dinastia Vivanco e da bodega Irius, ambos na Espanha.
Conheça alguns dos projetos de Jesús Marino Pascual
Para ter uma ideia da importância do investimento em estrutura, Pascual lembra que, em 2004, apenas três meses após a inauguração do Museu, o local já era o mais visitado na região, ultrapassando os Mosteiros de S. Millán de Yuso, onde se encontram os manuscritos de medievais mais antigos escritos em castelhano. E o crescimento é maior a cada ano. “Em Napa Valley (EUA) já se fala em 30% da produção sendo vendida diretamente na adega”, diz.
Conheça as adegas mais surpreendentes do mundo.
De olho no imenso potencial turístico, o Instituto Dal Pizzol deu início a uma série de conversas com o arquiteto para projetar um Museu da Cultura do Vinho em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. “Um empreendedor moderno não pode desprezar o enoturismo. Mas o visitante não viaja quilômetros só para tomar um cálice de vinho, ele quer se emocionar e se alimentar da cultura do vinho”, afirma Rinaldo Dal Pizzol, que batalha para que essa visão seja incorporada no País. Por sua vez, Pascual também decidiu apostar no mercado brasileiro. Há seis meses abriu um escritório em São Paulo e já comemora a aprovação de dois projetos residenciais em Caraguatatuba, no litoral paulista, e estuda a construção de um hotel no Rio Grande do Sul. Veja abaixo mais detalhes sobre a importância da arquitetura para as adegas modernas.
iG: Quais são os principais pilares que guiam o projeto de uma vinícola?
Jesús Marino Pascual: A arquitetura de uma vinícola mudou muito nas últimas décadas. Há 10 anos as vinícolas tinham que ser apenas funcionais, hoje, é essencial que elas atraiam visitantes. Elas eram apenas grandes galpões construídos sob a orientação de engenheiros agrônomos, com caves subterrâneas para o armazenamento dos vinhos. Agora, é preciso projetar a estrutura de forma que os visitantes possam ver todas as etapas de produção sem atrapalhar os trabalhadores. Os lugares precisam ser limpos, organizados e arejados. A iluminação deve ser projetada para passar a emoção e ao mesmo tempo não interferir no cuidadoso processo de elaboração do vinho.
iG: O senhor acredita que é possível conceber uma nova vinícola, hoje, sem prever o investimento em arquitetura?
Pascual: Digo que cada vinho vendido na adega vale por dois ou três no mercado, porque dali os consumidores saem com um envolvimento emocional que, de outra forma, dificilmente teriam com a marca. Nas vinícolas de última geração tudo é pensado para gerar emoção e transmitir o valor da marca. Da solidez arquitetônica à composição dos ambientes, espacialidade, relação com a paisagem e mensagem cenográfica. Mas se não tiver bons vinhos, também não vai adiantar.
iG: Tendo em vista a imponência e o cuidado arquitetônico de diversas adegas modernas, pode-se dizer que elas são as catedrais modernas?
Pascual: Há, sem dúvida, uma certa mística na produção do vinho e muito do respeito que se tem por esse trabalho pode ser transmitido pela arquitetura, até mesmo pelo tipo de ambiente que o vinho pede para se desenvolver: tranquilo, escuro e silencioso.
iG: Alguns projetos muito arrojados acabam gerando polêmica por destoarem da paisagem bucólica das plantações. Como o senhor vê isso?
Pascual: Fazer um projeto grande, que vai mexer com a paisagem de todos, é sempre problemático. E é preciso conversar com as comissões do Patrimônio Histórico Cultural e Ambiental para chegar a um acordo. De qualquer forma, um bom projeto deve ser harmonioso com o meio ambiente em que está, seja na cidade ou no campo. Além de ser funcional e coerente com a história daquela cultura e região. É preciso que ele engrandeça e não estrague o espaço. Ressalte a natureza e, ao mesmo, tempo reforce a presença da vinícola e o trabalho do homem sobre as uvas.
iG: É preciso entender de vinho para projetar boas vinícolas?
Pascual: Estou muito envolvido nessa cultura, tenho minha adega particular em casa, mas estou longe de ser um enólogo. Acredito que eles estejam em outro patamar de capacidade e sensibilidade muito diferentes de mim. Depois que quebrei o nariz jogando futebol não sou capaz de distinguir muitos aromas.
iG: O senhor participou recentemente de uma palestra a convite da incorporadora Idea!Zarvos. Podemos esperar novos empreendimentos com adegas privadas?
Pascual: Não seria má ideia, mas ainda não temos nada previsto. Na Catalunha, de onde venho, toda casa de alto padrão tem sua própria cave, normalmente ligada a uma sala de refeições, onde as pessoas se reúnem em torno de do vinho e da comida.